co-sentindo
com


TERNURA
RADICAL

Dani d'Emilia,
Vanessa Andreotti
& GTDF Collective

co-sinta
com

TERNURA
RADICAL


e...

Aceite seu convite a estar presente e disponível,
a sintonizar com um corpo coletivo, não
só humano.

Preste atenção em todas
as peles e espaços que você habita, nos ossos
e terras
que carregam seu peso.

Sinta a sua inteireza
no todo,
incluindo
o que é feio, fedido e
fudido.

Se relacione para além de desejos de coerência, pureza e perfeição.

co-sinta
com

TERNURA
RADICAL


e...

Dance para
além de ciclos de identificação
e des-identificação, para além do que você gosta e não gosta.

Pare de tentar moldar o mundo de acordo com compulsões narcisistas de prazer, conforto e conveniência.

Interrompa vícios de consumo, não só de produtos, mas também de conhecimentos, experiências
e relações.

Solte as
posses e
as possessi­vidades.
  Renuncie fantasias de compreensão, consenso e controle.

Se desarme,
se desentulhe
e se descentralize.

Se integre
em um metabolismo vasto, com uma temporalidade muito mais extensa que a do seu corpo humano.

Desnormativize o tempo,
siga sua não-linearidade.

Desative os anseios de protagonismos, grandiosidade
e legado.

Deixe de temer o medo,
a incerteza,
e o vazio.

Se abra à
des-ilusão e à dis-solução.
  Se entregue,
sem se perder.

co-sinta
com

TERNURA
RADICAL


e...

Acolha o desconhecido
e o desconhecível, em você e nes outres.

Mergulhe na sensualidade
da palavra “sentido”.

Permita que o seu estado de maravilhamento siga aberto, sem aprisioná-
-lo sempre em significado.

Não faça
o “ser”
refém do
“saber”.

Use a criatividade para além do intelecto.

Reative
capacidades exiladas,
expanda
sensiblidades
e des-imunize intimidades.

Perceba como
pensamentos
e emoções são processos
neuroquímicos.

Escute
autoridades não-humanas
e cuide da
nossa relação com elas.

Esteja aberte para o que não pode e talvez
nunca possa entender.

Pare de cobrir tudo com um
manto de interpretose, silencie os ruídos que te impedem de cavar mais fundo, e de se relacionar mais amplamente.

co-sinta
com

TERNURA
RADICAL


e...

Seja
receptive aos ensinamentos de suas sombras.

Guarde luto pelas suas ilusões,
se fermente, composte
suas merdas.

Aprenda com erros repetidos para que você faça somente
erros novos no futuro.

Descubra
um ônibus cheio de
criaturas diferentes dentro
de você.

Olhe no
espelho e solte o medo do
desaponta-
mento, da rejeição e do abandono.

Reconheça sua cumplicidade nas violências
e desinvista da arrogância,
superioridade
e status.

Solte o medo de “ser menos”, a pressão de “ser mais” e a necessidade
de validação.

Desprivatize
a falha, despersonalize a falta.
  Todo mundo faz merda,
todo mundo chora.

Desative
expectativas de pertencimento e se concentre em desaprender a lógica da
separabilidade.

Acolha tanto suas fofuras quanto patetices, seja corajosamente vulnerável.

co-sinta
com

TERNURA
RADICAL


e...

Permita que novas formas de coexistência te encontrem.

Renuncie a autonomia irrestrita e a obsessão com a forma.
  Se firme no ritmo por trás do movimento.

Ative os ouvidos em todas as partes do corpo,
para que com a escuta possamos nos curar.

Escute a sabedoria não verbalizada,
nutrindo o valor intrínseco em lugar do produtivo.

Reconheça
que nossas medicinas são tanto indispen-
sáveis quanto insuficientes.

Sintonize com outres, em vez de apenas
empatizar.
  É diferente.

Lembre-se que o buraco é sempre mais embaixo.

Observe
como você
se move entre suas zonas
de conforto,
de desafio,
e de pânico.

Aumente o
cuidado proporcional-
mente ao risco.
  Faça-o com humildade,
generosidade
e reverência.

Dissolva os
limites e o peso do seu corpo, permitindo
que outres
se movam
através, com
e por você.

co-sinta
com

TERNURA
RADICAL


e...

Transforme
o coração em verbo:
corazonar, sentipensar.

Olhe para as coisas difíceis
e dolorosas com o amor de quem realmente
quer ver.

Deixe-se transpassar pela dor da terra.

Entenda que
o corpo da terra não é a extensão do corpo humano, nós é que somos a extensão do corpo da terra.

Coletivize seu coração para que ele se abra sem se rasgar.
  Deixe-o abraçar a dor no –e do–
mundo sem se anestesiar ou sobrecarregar.

Testemunhe seu “ser”
em várias
camadas:
“eu e você”,
“eu em você”, nós em
“nem eu nem você”.

Esqueça-se de ser isto ou aquilo, seja ambes e mais,
tudo-junto se movendo.

Cuide das
feridas que
surgem quando
a pele que
envolve um corpo se estica e se rasga para receber outro corpo, e por
ele ser reconfigurada.

Treine sua musculatura
intelectual,
política e afetiva
para encarar tempestades
e correr
maratonas
em terrenos
tortuosos.

Deixe-se guiar pela inteligên-
cia metabólica, permita
neurogênese
e aprenda a respirar debaixo d'água.
  Seja água.

Co-sinta com
TERNURA RADICAL
e
pratique o desapego implicado. Ofereça cuidados paliativos ao mundo que está morrendo, tanto à nossa volta quanto dentro de nós… Processe os ensinamentos que essa morte nos oferece.

Co-sinta com
TERNURA RADICAL
e
auxilie no nascimento de algo novo, sem sufocar o que está nascendo com suas projeções e idealizações.

Co-sinta com
TERNURA RADICAL
e
invoque e evoque – em um movimento duplo e simultâneo – a manifestação de uma prática política de cura que está além do que
a inteligência humana é capaz de imaginar. Deixe que ela te atravesse, sempre mutável e fluida.

"Co-sentindo com Ternura Radical" é um texto que Dani d'Emilia e Vanessa Andreotti começaram a escrever em 2018, com base no trabalho do coletivo Gestos Rumo a Futuros Decoloniais [GTDF]. Inicialmente chamado de “Um Convite à Ternura Radical”, esse texto vem se trans­formando junto à sua colaboração artístico-pedagógica “Des-identificações Engajadas”, na qual tentam traduzir modos de engajamentos pós-representacionais em experimentos encarnados que reconfiguram as conexões entre razão, afeto e relacionalidade. A versão atual do texto foi revisada em junho de 2020. Em 2021 Dani e Vanessa também iniciaram a curadoria de uma série online entitulada “Co-sentindo com ternuraradical: ações rituais de arte-vida para ressintonização metabólica” na qual diferentes artistas responder ao texto. A série pode ser acessada aqui: www.artseverywhere.ca/series/radical-tenderness. Mais informações sobre GTDF aqui: www.decolonialfutures.net

Ternura Radical é um termo que Dani conheceu através do coletivo de performance La Pocha Nostra (MX/US), do qual foi integrante entre 2009-2016. Para honrar a genealogia da TR enquanto termo e sua ativação como prática encarnada, é fundamental reconhecer também a importância do trabalho radical com a ternura da artista, ativista e educadora trans Lia La Novia Sirena (MX).

A TR é uma entidade-força que se move, transforma e dissemina de muitas maneiras diferentes. Ao longo da última década, Dani tem se dedicado a uma investigação encarnada dos movimentos íntimos, políticos e metabólicos da Ternura Radical, e seu trabalho tem incluído a criação de performances, oficinas e escritos que tentam cultivar formas radicalmente ternas de ser. Em 2014, Dani realizou um mestrado focado na Ternura Radical como prática de performance-pedagogia político-afetiva e ao se juntar ao coletivo GTDF em 2017, começou a trabalhar com Vanessa Andreotti para mobilizar a Ternura Radical como uma das medicinas que o coletivo adota para ajudar a reconfigurar as conexões entre razão, afeto e relacionalidade. Um primeiro manifesto da ternura radical escrito por Dani em colaboração com Daniel B. Coleman, antes Daniel B. Chávez (2015), bem como mais info sobre seu trabalho com a TR em diversos contextos de performance-pedagogia, podem ser acessados em: www.danidemilia.com

O termo co-sentir é utilizado por diferentes movimentos artísticos e ativistas com conotações diferentes. O trabalho de Caro Novella com Quimera Rosa nos introduziu a um contraste importante entre consentimento e cosentir que amplia o campo de intimidades para além das interações entre humanos, o que ressoa com ensinamentos indígenas ancestrais que embasam o trabalho da rede “Teia das 5 curas”, cujas práticas inspiram nosso texto. Nosso uso do termo co-sentir se remete a um movimento de decolonização (Stein, et. al. 2019) que envolve vários convites, incluindo o desentronamento do ego, o desentulhamento de paisagens afetivas, e o desinvestimento em sistemas violentos e insustentáveis.

Referências:

d’Emilia, D. e Chavez, D. (2015). “Manifiesto de la Ternura Radical”. In Hysteria Revista, n. 8, julho de 2015. Disponível em: https://hysteria.mx/ternura-radical-es-manifiesto-vivo-por-dani-demilia-y-daniel-b-chavez/ acesso em: 08/18/2020.

Novella, C. (2019). “From Consent to Cosense: Rehearsing ecologies of exposure within Quimera Rosa’s Trans*plant, my disease is an artistic creation”. In Revista Corpografias: Estudios críticos de y desde los cuerpos, 6(6), pp. 134-152.

Stein, S., Andreotti, V., Suša, R., Amsler, S., Hunt, D., Ahenakew, C., Jimmy, E., Čajková, T., Valley, W., Cardoso, C., Siwek, D., Pitaguary, B., Pataxo, U., d’Emilia, D., Calhoun, B., Okano, H. (2020). “Gesturing Towards Decolonial Futures: Reflections on Our Learnings Thus Far”. In Nordic Journal of Comparative and International Education, Vol. 4(1), 2020, pp. 43-65.

Queremos agradecer a todas as pessoas com as quais temos colaborado direta e indiretamente nos diferentes contextos nos quais continuamos a (des)aprender através da Ternura Radical ao longo dos anos, entre elas a "Free Home University", onde nos conhecemos em 2017; as vivências organizadas pelas redes "Gorca Earthcare" e "Teia das 5 curas", que integram o trabalho do coletivo GTDF; e as "Práticas de Desimunização", co-criadas com Fernanda Eugenio. Agradecemos também à Fundação Musagetes pelo oferecido à diferentes entrelaçamentos do coletivo GTDF.

Este livro foi desenhado por Laura Daviña no estúdio de publicação PS_São Paulo em junho de 2020.

ISBN 978-65-990888-1-0

PSSP